Na prática de psicoterapia analítica, que exerço há mais de trinta anos,
recebo recorrentemente pessoas em crise de relacionamento, consigo mesmas e nos
âmbitos familiares, amorosos, sociais, corporativos e até religiosos. Quando
começamos analisar a dinâmica das relações, recorrente e maciçamente, fica
evidente a dificuldade de diálogo, entre o ego, geralmente enredado nas
artimanhas mentais que negam tanto a sombra quanto a alma, e nas demais
relações interpessoais, resultando em acúmulo de mal entendidos, contradições e
ruídos de comunicação, produzindo sentimentos de mágoas, ressentimentos, culpas
ou desejo de vingança. Tudo em função da dificuldade em expor o afeto
contraditório que surgiu na relação, interditando as trocas e, consequentemente
a vida.
Toda expressão de vida, em qualquer âmbito, depende da troca e, na
realidade, do consumo de outra forma de vida, fator instintivo gerador de
medos, por conta da necessidade de segurança territorial. Deve ser esta a causa
de tanta ansiedade e resistências associadas às relações interpessoais. O medo,
que deveria ser um instrumento para possibilitar a consciência crítica diante
das escolhas da vida, se ficar ausente produzirá a loucura, o risco eminente da
morte e, se aparecer em demasia, impossibilitará o fluir da vida. Por isso,
aprender a mediar o medo, e continuar trocando, é a grande meta do sábio.
Infelizmente, com a supremacia da razão e do materialismo, de forma iludida, as
pessoas passaram a lidar com o medo por meio da fantasia de poder. O poder, por
sua vez, pode manifestar-se de várias formas: como riqueza material, força
física, armas, influência, beleza, conhecimento, títulos, habilidades, entre
outras, mas todas elas são possibilidades estéreis que impedem a criatividade
evolutiva.
Num primeiro momento, o poder pode abrandar o desconforto do medo, mas
com o passar do tempo, a pessoa descobre que ele interditou a vida. Por isso
que C. G. Jung, sabiamente, constantemente afirmava que na vaga do amor se
instala o poder! O amor gera trocas e enaltece a vida, o poder gera ilusão de
controle, com opressão e estagnação da vida. É nesta realidade que começa o
trabalho analítico, possibilitando o livre pensar, sentir, perceber e intuir,
em busca de um refinamento dialógico, para que aconteça a celebração da vida,
que deve estar sempre bendita. O presente, que é dádiva maior e divina,
deve ser desfrutado a cada momento presente, sem deixar que o passado ou o
futuro interfiram negativamente na realidade.
A capacidade de expressar
os sentimentos contraditórios que surgem nas relações, consigo mesmo e com o
entorno relacional, é o meio mais saudável, apesar de gerar tensões e até
desconfortos momentâneos, para a conquista de relações virtuosas, amorosas e
benditas. Mas, essa disponibilidade é para a minoria das pessoas, porque a
grande massa, desde cedo, é treinada a viver aprisionada nas máscaras sociais,
as personas, impostas pela família e sociedade, atuando pacificamente como
meros observadores, preferencialmente ocupados em consumir o inútil,
endividar-se e trabalhar para poder pagar as dívidas e continuar na roda do
consumo, até morrer sem nunca ter tido a oportunidade de viver de fato. Por
isso, quem conseguiu desencaixar-se desta dinâmica perversa, tem a obrigação de
incomodar os encaixados, normoticamente, para que consigamos um futuro mais
pleno de sentido e significado existencial.
*WALDEMAR MAGALDI FILHO. Psicólogo, especialista em Psicologia
Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da
Religião. Autor do livro: "Dinheiro, Saúde e Sagrado"
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